Hoje fui com minha mãe visitar uma tia
de 98 anos que está doente. Estava lá, deitada
na cama, fraquinha, mas com os cabelos brancos
bem penteados, as unhas devidamente pintadas
e perfumada, afinal é preciso envelhecer com dignidade.
Impossível não me emocionar naquela casinha
de tantas lembranças, ao me dar conta de que estive
ali inúmeras vezes, olhando tudo sem ver.
Hoje pela primeira vez (!) prestei atenção em vários
detalhes, as fotos nas paredes, porta retratos antigos,
enfeites nas mesinhas, um armário tão bonito,
uma colcha, até bonecas. Detalhes pra mim,
pra ela objetos de valor inestimável,
que estão ali justamente por isso,
contando a história de uma vida.
Minha mãe sempre diz que a gente precisa cuidar
dos nossos velhos, sermos gratos por tudo que fizeram
por nós. Amar e cuidar deles, dar carinho, não só pais
e avós, mas tios e agregados queridos, dar assistência
física e emocional, principalmente. Hoje em dia as pessoas
estão tão ocupadas para se lembrarem dos seus idosos
e isso é tão triste.
Os velhos são tratados como inconvenientes, rabugentos,
por seus jovens descendentes igualmente inconvenientes
e rabugentos. A velhice é desnecessária, não existe mérito
em envelhecer. Num mundo de photoshop e juventude
a qualquer preço, onde a beleza é tudo, envelhecer
passou a ser vergonhoso e a velhice inoportuna é
cuidadosamente varrida para debaixo dos tapetes.
E ao escondermos nossos velhos vamos
nos escondendo de nós mesmos.
Viver uma vida toda se dedicando a alguém e no fim
ser esquecido apenas porque envelheceu. Ora, e não
envelheceremos todos um dia, de acordo com o curso
natural da vida? As mulheres da minha família costumam
viver muito, geralmente lúcidas e ativas.
Já pensou chegar aos 90 nessas condições, acompanhar
as mudanças no mundo durante quase um século, ter
tanto pra contar e não ter quem ouça, ou pior,
ter e não saber por onde andam filhos,
sobrinhos e netos, não ter notícias.
Quem não valoriza seus antepassados perde a oportunidade
de compartilhar experiências que são um tesouro
verdadeiro, bem mais real que bens materiais
ou o dinheiro que se acumula no banco.
Adorava ouvir os "causos" contados por meus avós,
risadas garantidas, lembranças de um tempo que não existe
mais, de quando as ruas eram mais tranquilas, as crianças
andavam soltas e assaltante era ladrão de galinha.
Minha vida não seria a mesma sem essas histórias
que hoje meus pais recontam para o meu filho,
e que eu adoro ouvir de novo e mais uma vez, e um dia,
se Deus quiser, hei de repeti-las para meus netos.
Acho fundamental saber de onde eu vim para
saber quem eu sou e assim tentar saber pra onde vou,
porque no fim das contas o mundo gira,
gira e a gente sempre volta pro mesmo lugar.
Qualquer tempo que tiver para estar com eles é
enriquecedor. Ouvir e conversar ou simplesmente
estar ali pode ser surpreendente. Pequenos momentos
de companhia fazem um bem enorme para quem recebe
e acredite, faz um bem maior ainda para quem dá.
Por mais que tentemos nos distanciar das nossas origens,
nossas origens nunca sairão de dentro de nós, assim como
as árvores nunca perdem suas raízes, por mais que seus
galhos cresçam e se aproximem do céu.
eu com meu bivô Zequinha, em 1977.